Projectos

Nome:GIRALDI, Lucas
Outros nomes:GIRALDI, Luca / GIRALDES, Lucas / GERALDES, Lucas
Nascimento e morte:m. Lisboa, 13/12/1565
Descrição:Mercador florentino, Lucas era irmão de Nicolau Giraldi. Com Maria Pais, foi pai de três filhos naturais, Francisco, Luísa e Maria Giraldi. Em 1550, Lucas pedia a legitimação desses seus filhos, a qual lhe foi concedida.
Existem notícias de Lucas Giraldi em Portugal desde os inícios do século XVI, relacionado com alguns dos principais mercadores de origem italiana estantes em Lisboa, como eram os casos de João Francisco Affaitati ou de João da Empoli. Aliás, o seu nome figura do testamento que este último escreveu em 1515.
Lucas Giraldi estendeu os seus negócios a várias áreas: participava do comércio de açúcar da Madeira, escravos e especiarias. Em 1527, era o procurador de Affaititi no comércio de açúcar da Madeira. Mais tarde, em 1532, seria o intermediário, em Lisboa, do sobrinho e sucessor deste, João Carlos Affaitati, no negócio das especiarias orientais. A partir desse momento, passou a manter ligações a alguns dos mais relevantes mercadores que se dedicavam àquele negócio, como Francisco Mendes, Afonso de Torres e Gabriel de Negro. A 6 de Agosto de 1533, Lucas recebia de D. João III uma carta de privilégios que lhe concedia os mesmos direitos dos mercadores alemães no comércio das especiarias. Ainda nesse ano, Giraldi tentou estender os seus negócios ao comércio negreiro nas Antilhas.
Além desta intensa actividade, Lucas Giraldi participava activamente na armação e abastecimento das armadas que partiam para a Índia. Em 1535, D. João III enviou uma carta ao conde de Castanheira em que referia Giraldi relativamente ao fornecimento do crédito necessário para que o feitor da armada pudesse comprar vinho e biscoito. Dois anos mais tarde, o rei pressionava-o para aceitar o contrato da pimenta e das drogas da Índia, embora sem sucesso.
A sua actividade de armador cresceu durante a década de 40. Em 1540, ele próprio comandou a nau Urca que partiu na frota real para a Índia. Na expedição de 1544, foi armador da nau Espírito Santo, comandada por Fernão Peres de Andrade.
Já na segunda metade daquela década, Giraldi passou a investir no Brasil. A 26 de Março de 1547, recebeu do capitão donatário de Ilhéus, Jorge de Figueiredo Correia, em sesmaria, duas léguas de território costeiro que se prolongavam por três léguas para o interior. Deste contrato, Giraldi usufruía de vários privilégios: a sesmaria era hereditária; podia edificar vilas e fortalezas, das quais teria jurisdição e senhorio; tinha jurisdição sobre as alcaidarias-mores e a organização de municípios; podia associar-se com outras pessoas para a colonização da capitania; e todas as benfeitorias que fizesse ficariam como seu património, podendo instituir morgado ou legado pio. Em contrapartida, Giraldi ficava obrigado a enviar, nas armadas de 1547 e 1548, até cem pessoas para povoarem a capitania e o armamento necessário à sua defesa. Além disso, teria de montar engenhos de açúcar, instalar duas serrações de madeira, dois engenhos de algodão, dois pisões e duas moendas de pão e mandar fazer marinhas de sal. De tributo, Lucas teria de pagar anualmente ao capitão donatário: uma arroba de açúcar de cada engenho; uma dúzia de tabuado de cada serração; 100 réis do conjunto do engenho de algodão, pisão e moenda; e um alqueire de sal por cada marinha.
Entretanto, Lucas começara a revelar algum desinteresse pelo negócio das especiarias orientais. Os lucros já não eram tão aliciantes para justificarem o investimento feito e os prejuízos sofridos. Mesmo assim, durante a regência de D. Catarina, quando a situação financeira do Estado Português se encontrava num momento crítico, foi celebrado um contrato com a sociedade de Giraldi e Diogo de Castro, no qual estes ficavam obrigados a trazer anualmente entre 30 a 40 mil quintais de pimenta comprada na Índia, totalmente à sua custa. Por cada quintal, a coroa pagar-lhes-ia 3 600 réis, reservando-lhes o direito de poderem mandar anualmente à Índia duas naus para trazerem o que entendessem.
Lucas era particularmente procurado pela coroa devido à sua actividade de banqueiro. Junto com o irmão Nicolau e com Jácome de Bardi, era responsável pela maioria das operações bancárias e de crédito da coroa portuguesa. Assim, em Janeiro de 1534, passava letras de câmbio ao embaixador português em Castela. Em Setembro de 1537, D. João III ordenava-lhe que passasse uma letra de câmbio a João Vaz de Caminha para receber o seu valor em Génova. Em 1539, passava uma outra letra ao feitor português na Andaluzia para a descontar em Sevilha.
Assim, Lucas aproximava-se da esfera diplomática portuguesa. Numa carta de 1 de Junho de 1545, o rei encarregava-o de ajudar o embaixador francês Honorato de Caix a angariar dinheiro para reabastecer uma armada francesa arribada no Tejo. João III pedia a Giraldi que emprestasse ao capitão da armada um conto de réis, embora o devesse fazer “[...] em todo o segredo e de maneira que se não possa saber que eu lho emprestey” (Cf. ANTT, Colecção S. Vicente, v. III, f. 61).
Dois anos mais tarde, os embaixadores portugueses enviados ao Concílio de Trento recebiam, em Génova, a correspondência oriunda de Portugal por via de agentes de Giraldi.
Associado à casa bancária de Roma de Giovan Battista Cavalcanti, Giraldi concedia empréstimos aos embaixadores portugueses naquela cidade, onde tinha uma sucursal. Também ali recorriam os nobres portugueses que precisavam de pagar à Santa Sé as dispensas matrimoniais solicitadas. Após a morte de Lucas, essa sociedade continuou com o seu irmão Nicolau.
Essa proximidade aos embaixadores portugueses junto da Santa Sé, levou a que o cardeal Farnese o nomeasse seu mandatário em Portugal. Porém, Giraldi acabaria por o desiludir no desempenho dessa função.
Giraldi mantinha igualmente contactos com as autoridades toscanas, estabelecendo uma ponte entre o grão-ducado de Florença e a coroa portuguesa. Em 1549, Cosme I pedia-lhe que enviasse à Toscana um elefante.
Porém, estes influentes contactos que mantinha junto da cúria romana e da diplomacia portuguesa não o ilibaram de ser processado pela Inquisição de Lisboa. A 23 de Janeiro de 1553, era apresentado o libelo acusatório: havia então dez anos que Giraldi comerciava em Tarudante e Marrocos, vendendo aos mouros mercadorias defesas, nomeadamente, dinheiro amoedado, ouro e prata. Cristóvão Cerqueira, cavaleiro da Ordem de Cristo, contou como o mestre de um navio fretado por Giraldi fora a Tarudante levar mercadorias, história confirmada no testemunho do mercador Gaspar Jorge. Vicente Lourenço referiu que fazia então um ano que Giraldi havia enviado, ao Cabo de Gué, um navio carregado de panos da Índia e lacre, o qual regressou com um carregamento de açúcar e cera, aportando em San Lucar de Henares. Por outro lado, Jorge Fernandes, mercador em Lisboa, conta o que ouvira do feitor de Giraldi: a embarcação deste havia sofrido um assalto de castelhanos quando passava junto a Cabo de Gué, tendo-lhe sido furtadas todas as mercadorias que transportava. Esse feitor de Giraldi encontrava-se, ao tempo do processo, em Tarudante, com mercadorias do florentino e de Rui Lourenço de Távora.
A 7 de Fevereiro de 1553, Giraldi comparecia perante o tribunal da Inquisição. No seu testemunho, afirmou ter conhecimento da actividade mercantil desenvolvida por Rui Lourenço de Távora, em Cabo de Gué, para onde, sob autorização régia, transportava mercadorias da Índia. Giraldi confessou ter também participado, em nome de Távora, nesse comércio, entregando a Sebastião Marques mais de mil cruzados para comprar panos da Índia e especiarias. O seu arrependimento pela participação em tais negócios levou a que se confessasse ao núncio apostólico.
O processo acabou por não ter seguimento e foi esquecido. Assim, pouco afectou a reputação e os negócios de Giraldi.
Quando foi processado pela Inquisição, Lucas era já fidalgo da Casa Real. Obtivera esse título em 1551, no mesmo ano em que custeou a finalização das obras da capela-mor da igreja de Nossa Senhora do Loreto, com três mil cruzados, tendo-lhe sido concedido, em recompensa, um lugar exclusivo na igreja para dali ouvir os ofícios religiosos. A escritura data de 2 de Março de 1551 e contemplava também a prerrogativa de que Giraldi e os seus descendentes passariam a ter ali sepultura.
Cada vez mais próximo da corte portuguesa, em Dezembro de 1552, Lucas participava, com embarcações próprias, do cortejo solene da entrada da infanta D. Joana em Lisboa. Apenas a 21 de Junho de 1557, é que Lucas e o irmão Nicolau recebiam autorização para usarem em Portugal o brasão de armas dos Giraldi de Florença, com todas as honras da nobreza. O escudo tinha um fundo prateado com um leão negro coroado e, por timbre, o mesmo leão.
Esses privilégios teriam sido resultado das estreitas relações que Lucas Giraldi mantinha com algumas das figuras mais eminentes do reino. Era o caso de D. João de Castro, o qual o citou no seu testamento como um dos seus bons amigos. Aliás, foi na casa de Giraldi que o testamento de Castro foi aberto. Lucas era também íntimo de D. Rodrigo Pinheiro, bispo de Angra, conhecido latinista e doutor em direito canónico e civil, e de D. Lopo de Almeida. Quando este último foi preso pela Inquisição, acusado de luteranismo, Giraldi foi o garante da fiança de 400 mil réis.
Lucas faleceu na sua residência, na freguesia da Sé, e foi sepultado na capela de Nossa Senhora de Loreto. A herança coube aos seus filhos. Francisco Giraldi, recebeu a capitania de Ilhéus que Lucas, em 1561, havia comprado a Jerónimo de Figueiredo Alarcon por 4 825 cruzados.
Os filhos de Giraldi perpetuaram a integração da família entre a aristocracia portuguesa. Luísa Giraldi casou-se com D. Francisco de Portugal, filho de D. Francisco da Gama, 2º conde da Vidigueira e neto do almirante Vasco da Gama. Francisco Giraldi foi nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo, cavaleiro da Casa Real, capitão-donatário da capitania de Ilhéus e governador da Bahia entre 1587 e 1588. Estreitamente relacionado com a coroa portuguesa, chegou a ser considerado o “ministro das finanças de D. João III”. Era casado com D. Lucrécia de Lafetá, filha de João Francisco Affaitati.
Bibliografia
Estudos:A. A. Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, Cosmos, 1993, pp. 53-54.
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Nunziatella Alessandrini, Na comunidade italiana os florentinos em Lisboa e a Igreja do Loreto (Subsídios para o seus estudo no século XVI). Dissertação de mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, 1º vol., Lisboa, 2002, pp. 134-138, 141.
Idem, “A comunidade florentina em Lisboa (1481-1557)”, Clio, nova série – 9, segundo semestre de 2003, pp. 77-79, 81-83.
Prospero Peragallo, Cenni intorno alla colonia italiana in Portogallo nei secoli XIV, XV e XVI, Genova, Stabilimento Tipografico Ved. Papini e Figli, 1907, pp. 81-88.
Virgínia Rau, Um Grande Mercador-Banqueiro Italiano em Portugal: Lucas Giraldi. Separata de Estudos italianos em Portugal, 1965.

Fontes:ANTT, Colecção de S. Vicente, vol. III, fls. 61, 277-278.
Archivio di Stato di Firenze, Mediceo del Principato, 191, fl. 19v.
“Scrittura di rendita fatta l’anno 1551 della Capella Maggiore a Luca Geraldi in Marzo 1551”, Arquivo Paroquial da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Caixa IX.