Projectos

Nome:PAGGI, Carlo Antonio
Nascimento e morte:n. Génova, primeiro quartel do séc. XVII
Descrição:Filho do pintor Giovanni Battista Paggi e irmão do bispo de Brugnato, o qual herdou o mesmo nome do pai, Carlo Antonio formou-se em Direito Civil e Canónico pela Universidade de Perugia, onde também estudou matemática. Nessa mesma cidade, frequentou a Accademia degli Insensati. Paggi era também um homem de letras, conhecedor de grego e latim.
Em Agosto ou Setembro de 1656, chegava a Lisboa. Era, então, um advogado de renome que fora escolhido para tutelar os interesses da Companhia Marítima S. Giorgio, fundada em Génova e com sede na capital portuguesa. Porém, na prática, Paggi chegou a Portugal como procônsul da República de Génova.
A 31 de Março de 1656, era emitida uma carta patente sobre a sua missão. Esta sublinhava o carácter delicado desta e a necessidade de se preservar a presença dos comerciantes genoveses na praça de Lisboa. Paggi era igualmente encarregado de estudar a possibilidade do restabelecimento das relações oficiais entre Génova e Portugal, sem ferir a susceptibilidade da coroa espanhola, da qual a República era uma tradicional aliada.
Pouco tempo após a sua chegada a Lisboa, Paggi foi recebido por D. João IV. Esse encontro teria surtido efeito visto que, em Outubro, a companhia genovesa encontrava-se já sob a protecção real.
Progressivamente, o genovês aproximou-se da corte portuguesa. Em sinal de estima, João IV ofereceu-lhe uma das suas obras sobre música, possivelmente a Defensa de la musica moderna, publicada em Lisboa no ano de 1649. Após a morte do monarca, Paggi assistiu de perto ao período de regência de D. Luísa de Gusmão. Na sua correspondência, revelava algumas reservas quanto à qualidade do sucessor à coroa, testemunhando a influência perniciosa de António Conti sobre Afonso VI.
Paggi teria desempenhado um importante papel na legitimação da independência de Portugal face a Espanha. Possivelmente, influenciou a decisão do papa Alexandre VII em reconhecer a coroa portuguesa restaurada. Afinal, o irmão de Carlo António, Giovanni Battista, era próximo do pontífice. Além disso, o genovês mantinha também contacto com o tesoureiro-geral da Santa Sé, o monsenhor Giacomo Fransone.
No ano de 1665, Paggi dava mais um passo na aproximação à coroa portuguesa. Demitia-se do seu cargo de procônsul e assumia funções na corte lusa. Assim, passou a colaborar na redacção dos “novelários”, os quais divulgavam informações relativas à guerra luso-espanhola e a outras questões internacionais.
Porém, tal aproximação à coroa portuguesa não significou um afastamento da causa genovesa. Paggi manteve-se sempre próximo da comunidade de genoveses estabelecidos em Lisboa. Chegou mesmo a pertencer à confraria de Nossa Senhora do Loreto, sendo uma voz activa na contenda sobre a recuperação da autonomia da igreja face à Sé de Lisboa. Assim, em 1663, encomendou a quatro professores da Universidade de Coimbra (Paulo de Meireles, José de Gouveia da Rocha, António de Gouveia e Sousa e André Bernardes Ayres) a redacção de um parecer que servisse de base à argumentação nesse processo.
Paggi destacou-se em Portugal também no plano cultural. Logo que chegou ao reino, iniciou a aprendizagem da língua portuguesa com o interesse de, assim, melhor atender às suas funções diplomáticas e de obter um conhecimento mais rico sobre a literatura lusa. Frequentou os meios literários lisboetas e contactou com algumas das principais figuras da cultura portuguesa da época. Membro da Academia dos Generosos, em 1661, chegou a presidir a duas sessões.
Preocupado com o facto de praticamente não existirem em Portugal informações actualizadas sobre Génova, Paggi publicou, em 1659, um opúsculo subsidiado por Nicolau Micon. Tratava-se de um género de guia histórico e artístico de Génova, impresso na tipografia de Henrique Valente de Oliveira. Nesse mesmo ano, o genovês colaborou no Mercúrio Português.
No ano anterior, Paggi havia impresso na mesma tipografia a obra que o votaria à posteridade, a Lusiada Italiana. Esta foi a primeira tradução para italiano dos Lusíadas e a sua grande divulgação é testemunhada pelo facto de, logo no ano seguinte, ter saído uma nova edição. O genovês justificava a tradução da epopeia de Camões pelo facto de, então, já existirem traduções em francês e castelhano mas ainda nenhuma na sua língua. Assim, segundo Alessandro Martinengo, esta tradução era a expressão daquilo que se poderia chamar, embora anacronicamente, um nacionalismo cultural. Tal revela-se desde o título dado, Lusiada Italiana, até às considerações que feitas sobre o mecenato italiano e a protecção à expressão artística, em comparação com o abandono a que fora condenado Camões em Portugal. Trata-se de uma tradução livre, em que são modificados alguns dos conteúdos da obra original.
No preâmbulo, Paggi prestou homenagem a uma série de fidalgos: D. Luís da Gama, marquês de Nisa; D. Jerónimo de Ataíde, conde de Atouguia; e D. António de Menezes, conde de Castanhede. Além destes, refere igualmente alguns letrados portugueses: João Soares de Brito (autor de uma Apologia em defesa da poesia de Camões), Francisco de Macedo (autor de uma versão latina de Os Lusíadas) e Henrique do Quental Vieira (membro da Academia dos Singulares).
A obra era dedicada ao papa Alexandre VII, o qual, em 1655, escolhera o irmão de Paggi para bispo de Brugnato. Além disso, este pontificado distinguiu-se pelo amplo apoio dado à produção literária.
A sua actividade cultural em Lisboa estender-se-ia até à literatura médica. Em 1664, era impresso, na oficina de António Craesbeeck, um tratado de medicina de sua autoria, Enchiridion, Medico-Astro-Chymicum, no qual abordava as áreas da patologia, fisiologia, semiótica, profilaxia e terapêutica. Actualmente, existe um exemplar desta obra na Biblioteca Nacional de Lisboa, tal como da primeira edição da Lusiada Italiana.
Em 1666, Paggi estava de regresso a Itália. Sete anos depois, publicava em Génova o tratado Le fortificazioni. O seu interesse por estratégia militar acentuara-se durante o tempo em que esteve em Portugal.
Bibliografia
Estudos:Alessandro Martinengo, “Il genovese Carlo Antonio Paggi e la ‘Lusiada Italiana’”, Annalli Sezione Romanza, III, 1, Napoli, 1961, pp. 79-99.
Arturo Farinelli, Viajes por España y Portugal desde la Edad Media hasta el siglo XX, 2º tomo, Roma, Reale Accademia d’Italia, 1942, pp. 127-128.
Francisco Luigi Mannuci, L’opera di Carlos Antonio Paggi console genoveses nel Portogallo, Roma, 1924.
Joaquim de Araújo, Intorno al genovese Carlo Antonio Paggi: cenni, Genova, Tipografia R. Istituto Sordo-Muti, 1899.
José da Costa Miranda, Carlo Antonio Paggi, italiano, tradutor de Camões: um genovês em Lisboa seiscentista. Separata de Estudos italianos em Portugal, Lisboa, 1984.
Idem, Carlo Antonio Paggi, tradutor italiano de Camões: a sua presença da seicentista Academia dos Generosos, de Lisboa. Separata de Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1981.
Idem, Ainda acerca da versão seiscentista, em língua italiana, de “Os Lusíadas”, por Carlo Antonio Paggi. Separata de Arquipélago. Línguas e Literaturas, Ponta Delgada, 1986.
Maria Fernanda Mota Gomes, “A Primeira Versão Italiana de Os Lusíadas”, Revista da Faculdade de Letras, 2ª série, tomo XIX, n.º 3, 1953, pp. 49-85.
Teresa Leonor Magalhães do Vale, Escultura Italiana em Portugal no Século XVII, Lisboa, Caleidoscópio, 2004, pp. 60-61.