Projecto Praying To The God Of Israel
Praying to the God of Israel according to the Portuguese Tradition (16th-18th centuries) é um projecto financiado pela Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste em colaboração com a Universidad Finis Terrae (Santiago do Chile). O projeto está em curso desde 2020 pelos investigadores Ignacio Chuecas Saldías e Susana Bastos Mateus.
O projecto desenvolve um trabalho inédito de identificação, publicação e análise de livros de orações manuscritos (siddurim) pertencentes à tradição judaico-portuguesa que foram preservados, principalmente como prova, em processos inquisitoriais e outros repertórios. Trata-se de textos escritos em espanhol, português e hebraico (incluindo hibridizações entre estas línguas) que foram copiados, armazenados e transmitidos maioritariamente por cristãos-novos acusados pelo Santo Ofício sob suspeita de judaísmo. Estas orações não só contribuem para o nosso conhecimento sobre as práticas judaizantes e os costumes devocionais deste sector, como também lançam novas luzes sobre um capítulo relevante do desenvolvimento da liturgia privada e sinagogal segundo a modalidade da tradição judaico-ibérica. Para além do cumprimento de um simples trabalho de edição e publicação, os investigadores procuram esclarecer momentos relevantes como as agências dos actores envolvidos, as práticas litúrgicas em ambientes clandestinos, a circulação de saberes nos espaços ibérico e colonial, as relações entre comunidades judaicas das terras livres e círculos judaizantes, a riqueza e pluralidade dentro das várias tradições relacionadas com as ordens de oração judaicas. Estes são aspectos fundamentais para melhor compreender os fenómenos que caracterizaram a reinvenção do judaísmo ocidental de raiz luso-espanhola durante a primeira modernidade (séculos XVI-XVIII), após a grande crise do final do período medieval.
Ao mesmo tempo, constitui um importante desafio para o projeto elucidar as múltiplas conexões que ligam o material textual presente na documentação inquisitorial e outros repertórios com as edições do ritual hispano-português utilizadas entre as comunidades da diáspora sefardita ocidental. Sob este aspeto, parece de fundamental importância tentar uma investigação inédita sobre o desenvolvimento e as caraterísticas originais inerentes tanto aos livros de orações hispano-portugueses como à liturgia segundo o rito judaico-português durante a primeira modernidade.
Um aspecto fundamental nesta investigação é representado pelas complexidades linguísticas típicas da literatura devocional da nação portuguesa. De facto, os livros de orações medievais ibéricos foram escritos seguindo padrões tradicionais (alguns dos quais muito antigos), principalmente em hebraico e aramaico. No período medieval tardio (séculos XIV-XV) começaram a aparecer versões vernáculas em Sefarad, principalmente em romance castelhano e catalão. Após o estabelecimento de comunidades judaico-portuguesas em Itália, em meados do século XVI (principalmente em Ferrara e Veneza), surgiram versões castelhanas do siddur, destinadas a um público de origem maioritariamente portuguesa. Para um período um pouco mais tardio, temos algumas versões manuscritas também em português. Com a predominância da comunidade de Amesterdão ao longo do século XVII, o livro de orações espanhol foi de certa forma canonizado para uso litúrgico. Durante o século XVIII, surgiram as primeiras versões em inglês nas comunidades de Londres e Nova Iorque, certamente produzidas a partir da versão vernácula espanhola habitual. O projecto visa, portanto, ter em conta as dimensões linguísticas, entendendo que elas reflectem uma matriz fundamental para apreciar não só a complexa identidade do judaísmo ocidental, mas também as suas raízes indissolúveis na cultura europeia do seu tempo.